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Treino

Um Treino Eficaz Tem Que Implicar Dores Musculares?

Um Treino Eficaz Tem Que Implicar Dores Musculares?
Tatiana Fernandes Coelho
Escritor3 anos Atrás
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Já todos passámos por isso: fazemos um treino “a sério” e durante os dois dias seguintes mal nos conseguimos mexer sem estremecer de dor.

A dor muscular de início tardio (ou DOMS, de Delayed Onset Muscle Soreness) segue-se regra geral a uma sessão de treino intensa. Muitas pessoas acreditam no mantra “mais sofrimento, mais resultados”, o que, ainda que denotando um toque de dramatismo, não é necessariamente uma má premissa.

A hipertrofia muscular (isto é, o crescimento e adaptação do músculo) ocorre através de três mecanismos primários: a carga mecânica (a quantidade de peso levantado), o stress metabólico (o acumular de produtos metabólicos em consequência do exercício) e os danos musculares.

A dor muscular é um sintoma do dano feito ao músculo, mas pode não estar sempre presente e é em geral um mau indicador de “sucesso”.

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A dimensão individual

Antes ainda de mergulharmos nos aspetos fisiológicos, é importante abordarmos o elemento psicológico da DOMS.

Todos temos diferentes sensibilidades à dor, e pessoas distintas terão experiências distintas relativamente ao desconforto e à dor.1 Ainda que a DOMS seja certamente um sintoma de dano muscular, um praticante de exercício mais experiente terá uma maior tolerância à dor que alguém que está a começar (embora mesmo aqui se possam encontrar muitas exceções à regra).

 

Procurar a dor pode ser perigoso

Um dos mitos mais perniciosos entre praticantes de exercício é que não estão a aproveitar o treino ao máximo a não ser que este resulte em níveis exacerbados de dor.

Isto estabelece um precedente que pode ser perigoso e levar a uma sobrecarga aguda de exercício e até a uma condição grave conhecida como rabdomiólise.

A rabdomiólise ocorre quando os músculos continuam a decompor-se ou a esvaziar-se depois do exercício terminar, libertando o conteúdo das células na corrente sanguínea. Este contém uma proteína, a mioglobina, que pode lesar os rins.

O nosso conselho? Não avalies o valor do teu personal trainer ou da tua sessão de treino com base em quantas dores tens – um treino mais inteligente é normalmente uma aposta muito melhor que simplesmente um treino mais duro.

 

A dor muscular é em geral um mau indicador de hipertrofia

A DOMS está relacionada com os danos musculares causados por exercícios aos quais os nossos músculos não estão acostumados e parece ser especificamente um produto da inflamação e do inchaço associados ao dano muscular.

Os danos musculares induzidos pelo exercício e a DOMS estão claramente interligados, mas refletem de facto a hipertrofia muscular ou são simplesmente um sintoma das pequenas ruturas nos tecidos?

No todo, esta segunda hipótese parece refletir melhor a realidade que a primeira.

Quando olhamos para a progressão no tempo de danos musculares induzidos pelo exercício e para a adaptação do próprio músculo, a DOMS apresenta uma correlação muito vaga com os estágios reconhecidos de adaptação.2

Adicionalmente, as causas propostas para a DOMS podem não estar sequer sincronizadas. A análise de ressonâncias magnéticas mostrou que o inchaço e a DOMS podiam ocorrer em dois momentos distintos, com a dor atingindo o pico muito antes de qualquer inchaço ser detetável. 2

Também podemos ter DOMS sem ter qualquer sinal de inflamação na zona do corpo em questão. 2

Têm sido registados casos de DOMS depois de atividades físicas aeróbicas de resistência (correr a maratona, por exemplo), que não estão, em geral, associadas com adaptações hipertróficas significativas. 2 Mais uma vez, isto sugere que o nível de dor que sentes não é um indicador fiável de quanto estás a progredir.

Outro fator a considerar é o estatuto de treino. A dor tende a dissipar-se quando um grupo muscular é sujeito a iterações subsequentes do mesmo tipo de exercício. Isto é consistente com o “efeito do exercício repetido”, em que o treino regimentado e repetido reduz a extensão dos danos musculares.3

 

Porque procurar a DOMS pode atrasar o progresso

Saber que a DOMs não é o sinal definitivo de confirmação que estás a obter resultados é importante porque significa que não vais procurá-la ativamente e treinar em excesso só para ficar com os músculos doridos.

Sabemos que a dor muscular pode na verdade ter um impacto negativo no futuro desempenho físico (o que pode em si mesmo influenciar negativamente os ganhos musculares) e os níveis de motivação, assim como aumentar o risco de lesão.

Este ponto é importante porque reitera o facto a reter: não deves avaliar a eficácia de um treino com base nas dores que sentes.

É preferível fazer uma única sessão extremamente intensa de treino, e ficarmos sem quase nos conseguirmos mexer durante uma semana, ou ter uma semana com diversas sessões de treino, planeadas com atenção, orientadas para os nossos objetivos e seguras?

 

Mensagem Final

Ter músculos doridos é por vezes considerado um indicador de progresso muscular, e algumas pessoas procuram deliberadamente atingir níveis elevados de dor para sentirem que o treino valeu a pena.

Contudo, a DOMS mostra uma correlação bastante fraca com a hipertrofia muscular, tanto em termos da sua progressão no tempo como da variabilidade individual.

Buscar a DOMS a cada sessão pode na verdade estar a prejudicar o teu progresso, a reduzir a tua motivação e até possivelmente a aumentar a tua propensão a lesões.

Ainda que a DOMS seja uma consequência frequente do exercício (especialmente quando lidamos com exercícios novos, com aumentos de intensidade e com exercícios que envolvem o alongamento dos músculos), não é certamente um requerimento para a adaptação muscular.

Treina de modo mais inteligente, não mais sofrido – atividade sustentável e consistente baseada em objetivos específicos a longo e curto prazo é uma abordagem muito mais bem-sucedida, por contraste com a obsessão por sair do ginásio a gatinhar sempre que lá entramos.

 

 

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Os nossos artigos têm propósitos unicamente informativos e educativos e não devem ser usados como conselho médico. Se tem alguma preocupação, consulte um profissional de saúde antes de tomar suplementos nutricionais ou introduzir quaisquer alterações significativas na sua dieta.

1. Tegeder, I., Meier, S., Burian, M., Schmidt, H., Geisslinger, G., & LoÈtsch, J. (2003). Peripheral opioid analgesia in experimental human pain modelsBrain126(5), 1092-1102.

2. Schoenfeld, B. J., & Contreras, B. (2013). Is postexercise muscle soreness a valid indicator of muscular adaptations?Strength & Conditioning Journal35(5), 16-21.

3. McHugh, M. P. (2003). Recent advances in the understanding of the repeated bout effect: the protective effect against muscle damage from a single bout of eccentric exerciseScandinavian journal of medicine & science in sports13(2), 88-97.

Tatiana é Doutorada em Ciências Médicas e da Saúde, pela Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, tendo, ao longo da sua carreira de investigação científica, sido autora de artigos académicos publicados em revistas internacionais, na área da Genética e da Biologia Molecular.

A sua experiência como Técnica Especialista em Exercício Físico e Coach L-1 de CrossFit, potencia a sua paixão por todas as vertentes da otimização da performance atlética na prática desportiva, tendo, inclusivamente, escrito alguns artigos de revisão sobre a influência do background genético na performance e resistência físicas, na adaptabilidade ao treino e na resposta fisiológica à nutrição e suplementação desportivas.

Mais informações sobre Tatiana Fernandes Coelho: LinkedIn, ORCID e PubMed.

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