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Treino

Atletas Em Casa | Treinar De Forma Eficaz

Atletas Em Casa | Treinar De Forma Eficaz
Tatiana Fernandes Coelho
Escritor3 anos Atrás
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Enquanto os ginásios estão fechados, e os desportos de equipa impraticáveis, é importante mantermo-nos em forma para, quando regressarmos à normalidade, estarmos a 100%.

Isto significa ter atenção à alimentação e ao treino, para aproveitar ao máximo as presentes circunstâncias e os treinos em casa.

Queremos ajudar-te a tornares-te a versão mais saudável, feliz e atlética de ti que já existiu. Pretendemos contribuir para isso com a nossa série “Atletas em Casa”.

Esta semana, vamos falar sobre o exercício e as melhores formas de o adaptar para tirar proveito dos treinos caseiros.

Estabelecer objetivos realistas

Antes sequer de podermos abordar a questão de como adaptar o treino, precisamos de discutir a importância de estabelecer objetivos realistas. Sejamos práticos: haveria pouco interesse em partilhar recomendações sobre como progredir no deadlift se o teu equipamento em casa consiste no mobiliário e em uma ou duas bandas de resistência.

Ter um objetivo não realista pode ter um impacto muito negativo na nossa motivação e confiança.

Uma abordagem “mestra” ao estabelecimento de objetivos é a estratégia correta.

Objetivos “M.E.S.T.R.A.” são baseados nos seguintes critérios:

  • M – Mensuráveis
  • E – Específicos
  • ST – Situados no Tempo
  • R – Realistas
  • A – Atingíveis

Este princípio pode aplicar-se a todos os aspetos da tua vida – carreira, fitness, objetivos pessoais, financeiros, etc., são apenas alguns exemplos. O princípio M.E.S.T.R.A. é igualmente útil quando consideramos um objetivo a longo prazo e quando o foco é em metas a curto prazo.

Experimenta a nossa folha de objetivos e aplica-a às tuas metas.

Começa por aqui e depois prossegue para as adaptações que poderás fazer, para tirar o maior proveito do treino em casa.

O que é a capacidade atlética?

Compreender as componentes da capacidade atlética é importante para estabelecer metas e saber em que nos podemos realisticamente focar ou mudar para progredir neste domínio.

A Associação Nacional para a Força e Condicionamento do Reino Unido defende a capacidade atlética como “a capacidade para executar repetidamente uma série de movimentos, com precisão e confiança numa variedade de ambientes, que requeiram níveis competentes de capacidades motoras, força, poder muscular, velocidade, agilidade, equilíbrio, coordenação e resistência”2 (a tradução do inglês é nossa).

Destes elementos, aqueles em que nos podemos mais realisticamente focar em casa são a força, o poder muscular e a resistência. Há maneiras de abordar os outros, nas quais também vamos tocar.

Força e Poder

A força pode ser definida como a capacidade de exercer um impulso de modo a vencer uma resistência. O poder é a soma da força multiplicada pela distância, dividida pelo tempo. Num contexto atlético, estes dois componentes são quase sinónimos.3 Se temos mais força muscular, conseguimos gerar mais poder, e quanto mais poder produzimos, maior será a carga que podemos mover.

Assim, o objetivo deverá ser incluir mais movimentos no nosso treino em casa que nos ajudem a desenvolver a força e o poder musculares.

A começar pela força, há melhoramentos possíveis com trabalho neuromuscular e com o aumento do tamanho do músculo. A maioria de nós não tem acesso a equipamentos que nos permitam concentrarmo-nos no trabalho neuromuscular (que é essencialmente trabalho de esforço máximo), pelo que a hipertrofia (desenvolvimento muscular) será aqui o foco.

A hipertrofia muscular é atribuída a três mecanismos básicos – a tensão mecânica (a resistência aplicada ao músculo), o stress metabólico (a sensação de “queimar” associada à acumulação de metabólitos) e o dano muscular (micro-lesões nos tecidos musculares que ocorrem com o treino).4

Como o conseguir em casa

Há oportunidades limitadas para aumentar a tensão mecânica em casa (especialmente se o equipamento é limitado). Podem ser feitas experiências com exercícios com peso corporal, com a alavancagem, para tornar os movimentos mais difíceis (como flexões inclinadas, por exemplo), ou equipamento como uma banda de resistência para aumentar a tensão e dificuldade.

Um foco maior deve ser posto no stress metabólico e no dano muscular. Maneiras simples de aumentar o stress metabólico são reduzir o tempo de descanso entre séries, fazer repetições até à falha do músculo, ou incorporar mais séries que envolvam mais de um movimento. Trabalho repetido com pouco descanso leva a uma acumulação de metabólitos no músculo. O stress metabólico posto no músculo tem um efeito anabólico (crescimento muscular), por via da sinalização molecular e de uma reação hormonal aumentada, que promove a hipertrofia muscular.

Alternativas

Poderás também querer explorar a ideia do treino com restrição de fluxo sanguíneo (BFR – de Blood Flow Restriction). Tal como a redução no tempo de descanso, as repetições até à falha e o aumento do número de movimentos consecutivos, o treino BFR leva a uma maior acumulação de metabólitos e, consequentemente, ao stress metabólico. Está demonstrado que pode preservar a massa muscular e até aumentar a hipertrofia. Para o executar, simplesmente precisas de aplicar pressão no músculo visado (tipicamente através de um torniquete) e, usando uma carga muito leve, trabalhar até um ponto próximo da falha.

E por falar neste último ponto, trabalhar até à falha é também uma excelente maneira de aumentar os danos musculares. Contudo, a melhor maneira de conseguir este resultado é o foco na fase excêntrica do movimento (o alongar/esticar do músculo).5 Uma simples dica em relação a isto: abranda. Faz uma contagem no movimento excêntrico, para acentuar essa parte da repetição.

Resistência

Quando se fala em resistência, estamos a falar, essencialmente, em aumentar o número de repetições que conseguimos executar, ou, vendo a questão do ponto de vista do exercício orientado para a resistência, por quanto tempo conseguimos aguentar e a que velocidade.

Isto significa que estamos a trabalhar em prol da nossa forma física em geral, ou, mais tecnicamente, da condição cardiovascular e resistência muscular.

Estar em melhor forma significa que conseguimos trabalhar durante mais tempo, a uma intensidade mais alta, e recuperar mais depressa.6

O treino e o exercício provocam mudanças generalizadas no nosso corpo. Células, tecidos e órgãos, todas estas estruturas se adaptam em função do aumento das exigências metabólicas.7 Estas mudanças levam a melhoramentos no fornecimento de oxigénio, transporte de nutrientes e desperdícios, produção energética e outros fatores.8 O exercício também promove adaptações do sistema cardiovascular.9

Como o conseguir em casa

Então, como podemos adaptar o nosso treino para melhorar a resistência enquanto estamos em casa? Há estudos que mostram que a função cardiovascular pode ser melhorada através de virtualmente qualquer forma de exercício aeróbico que se enquadre num leque de intensidades (de 50% a 95% do VO2).10 Isto pode envolver uma caminhada, uma corrida leve, subir e descer escadas ou mesmo um treino de circuito com exercícios de peso corporal.

O único limite aqui é a imaginação. Contudo, se não estás numa disposição imaginativa, procurar um treino com peso corporal no teu canal favorito do Instagram ou do Youtube pode ajudar-te a encontrar motivação para ir trocar de roupa e fazer finalmente aqueles burpees que estão planeados há semanas.

Isto aplica-se muito especialmente ao condicionamento físico em geral, mas e quanto à resistência muscular? Se esse é o teu objetivo, uma das melhores formas de aumentar a resistência muscular é através do treino baseado em superséries e circuitos.11 Há muitos benefícios complementares na prática do exercício; este estilo de treino vai provavelmente também contribuir para a tua força e poder musculares.

Outros componentes da capacidade atlética

Então, já abordamos os grandes fatores da força, poder muscular e resistência. Quais faltam? Velocidade, agilidade, equilíbrio e coordenação. Vamos passar rapidamente em revista cada um e o que podemos fazer em casa para continuar a progredir também nestes!

Velocidade

Isto é na verdade fácil, porque já estaremos a treinar a velocidade simplesmente através do treino de resistência. Na verdade, a melhor maneira de um atleta se tornar mais rápido (para além de praticar aquilo em que quer ficar mais rápido) é o treino de resistência.12 Há alguma coisa que o progresso normal não resolva?

Agilidade

Esta é uma questão complicada. Assumimos que a maioria das pessoas não terá escadas e cones pela casa fora para treinar a agilidade. Trata-se, resumidamente, da rapidez com que o corpo é capaz de reagir a um estímulo.13

Assumindo que o tempo vai melhorar, talvez o melhor seja fazer isto no exterior (ou arriscar partir uma janela): os praticantes de desportos com raquete têm frequentemente dos mais altos níveis de agilidade entre todos os desportistas, pelo que pegar numa raquete de ténis e praticar com outra pessoa (quando for possível fazê-lo), poderá ser um excelente treino de agilidade.14

Equilíbrio e Coordenação

Uma maneira excelente e engenhosa de melhorar o equilíbrio e a coordenação em simultâneo é integrar uma corda de saltar nos treinos.15

Outras formas de melhorar a coordenação e equilíbrio são trabalhar no treino do core (fazer mais pranchas, por exemplo, e outros exercícios para o core), assim como treino direto para o equilíbrio (como equilibrares-te numa só perna, ou técnicas mais avançadas, como agachamentos monolaterais e saltos a uma só perna).16,17

 

Mensagem Final 

O treino vai ser um desafio maior agora, em virtude da falta de equipamentos e da roupa desportiva ter sido substituída pela visão bastante menos inspiradora do pijama durante o dia inteiro? Sim.

Isto significa que não seja possível progredir e tornarmo-nos melhores atletas? A resposta é um “não” redondo. Esperamos que este artigo tenha ajudado a dar-te algumas ideias gerais úteis sobre como poderás adaptar os treinos para continuar a melhorar.

O confinamento não será para sempre, mas devemos tentar aproveitar ao máximo o tempo e focarmo-nos nas coisas que podemos fazer e nos fatores que podemos controlar. Podemos continuar no rumo certo como atletas – temos apenas que saber como direcionar as nossas energias.

 

 

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1. Bovend’Eerdt, T. J., Botell, R. E., & Wade, D. T. (2009). Writing SMART rehabilitation goals and achieving goal attainment scaling: a practical guide. Clinical rehabilitation, 23(4), 352-361.

2. National Strength And Conditioning Association. Long-Term Athletic Development Position Statement.

3. Suchomel, T. J., Nimphius, S., & Stone, M. H. (2016). The importance of muscular strength in athletic performance. Sports medicine, 46(10), 1419-1449.

4. Lowery, R. P., Joy, J. M., Loenneke, J. P., de Souza, E. O., Machado, M., Dudeck, J. E., & Wilson, J. M. (2014). Practical blood flow restriction training increases muscle hypertrophy during a periodized resistance training programme. Clinical physiology and functional imaging, 34(4), 317-321.

5. Schoenfeld, B. J. (2010). The mechanisms of muscle hypertrophy and their application to resistance training. The Journal of Strength & Conditioning Research, 24(10), 2857-2872.

6. Tomlin, D. L., & Wenger, H. A. (2001). The relationship between aerobic fitness and recovery from high intensity intermittent exercise. Sports Medicine, 31(1), 1-11.

7. Hawley, J. A., Hargreaves, M., Joyner, M. J., & Zierath, J. R. (2014). Integrative biology of exercise. Cell, 159(4), 738-749.

8. Pinckard, K., Baskin, K. K., & Stanford, K. I. (2019). Effects of exercise to improve cardiovascular health. Frontiers in cardiovascular medicine, 6, 69.

9. Vega, R. B., Konhilas, J. P., Kelly, D. P., & Leinwand, L. A. (2017). Molecular mechanisms underlying cardiac adaptation to exercise. Cell metabolism, 25(5), 1012-1026.

10. Anderson, L., Thompson, D. R., Oldridge, N., Zwisler, A. D., Rees, K., Martin, N., & Taylor, R. S. (2016). Exercise‐based cardiac rehabilitation for coronary heart disease. Cochrane Database of Systematic Reviews, (1).

11. Sonchan, W., Moungmee, P., & Sootmongkol, A. (2017). The effects of a circuit training program on muscle strength, agility, anaerobic performance and cardiovascular endurance. International Journal of Medical, Health, Biomedical, Bioengineering and Pharmaceutical Engineering, 11(4), 170-173.

12. Bolger, R., Kenny, I. C., Lyons, M., & Harrison, A. J. (2014). Sprinting performance and resistance based training interventions: A systematic review with meta-analysis.

13. Inglis, P., & Bird, S. P. (2016). Reactive agility tests: review and practical applications. Journal of Australian Strength and Conditioning, 24, 62-69.

14. Zemková, E., & Hamar, D. (2014). Agility performance in athletes of different sport specializations. Acta Gymnica, 44(3), 133-140.

15. Trecroci, A., Cavaggioni, L., Caccia, R., & Alberti, G. (2015). Jump rope training: Balance and motor coordination in preadolescent soccer players. Journal of sports science & medicine, 14(4), 792.

16. Haruyama, K., Kawakami, M., & Otsuka, T. (2017). Effect of core stability training on trunk function, standing balance, and mobility in stroke patients: a randomized controlled trial. Neurorehabilitation and neural repair, 31(3), 240-249.

17. Anderson, K., & Behm, D. G. (2005). The impact of instability resistance training on balance and stability. Sports medicine, 35(1), 43-53.

Tatiana é Doutorada em Ciências Médicas e da Saúde, pela Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, tendo, ao longo da sua carreira de investigação científica, sido autora de artigos académicos publicados em revistas internacionais, na área da Genética e da Biologia Molecular.

A sua experiência como Técnica Especialista em Exercício Físico e Coach L-1 de CrossFit, potencia a sua paixão por todas as vertentes da otimização da performance atlética na prática desportiva, tendo, inclusivamente, escrito alguns artigos de revisão sobre a influência do background genético na performance e resistência físicas, na adaptabilidade ao treino e na resposta fisiológica à nutrição e suplementação desportivas.

Mais informações sobre Tatiana Fernandes Coelho: LinkedIn, ORCID e PubMed.

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